Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!
sábado, 25 de dezembro de 2010
Quem é quem
Thiago de Mello no livro Poesia comprometida com a minha e a tua vida
Posso dizer: estou pronto
para me dar ao que vier.
Posso errar, mas não por medo
de me ser no que fizer.
Quem me pode responder
que sabe ser, sendo inteiro,
fiel e simples, sempre a tudo
que faz e não quer fazer?
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Mais do que eu
Belizario, primavera 09
Se o tempo eu fizesse múltiplo,
E o amor também...
Todas as convenções cairiam aos meus pés.
Pois que desabem!
Sou objeto do que deliro.
Joguete dos meus sonhos.
Vivo na intensidade de minhas paixões.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
XVI
Roberto Piva no livro 20 poemas com brócolis
abandonar tudo. conhecer praias. amores novos.
poesia em cascatas floridas com aranhas
azuladas nas samambaias.
todo trabalhador é escravo. toda autoridade
é cômica. fazer da anarquia um
método & modo de vida. estradas.
bocas perfumadas. cervejas tomadas
nos acampamentos. Sonhar Alto.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Sonho
Carlos Drummond de Andrade no livro O Avesso das Coisas
Não interprete o sonho; viva-o ou esqueça-o.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Ruinas
Mario Benedetti no livro Preguntas al azar
Yo también tengo ruinas
y si acudo al pasado
ya no sé a quien o a quienes
busco entre los escombros
son ruinas sin prestigio
sin guías y con musgo
inmensas y mezquinas
señas de lo que fui
columpiios desnudeces
huellas crepusculares
matutinas nocturnas
la luna las descubre
les dice lo que eran
columnas de tesón
túmulos de experiencia
pedernales de amor
catacumbas de miedo
yo también tengo ruinas
pero no deslumbradas
sino ciegas distantes
residuos de palabras
vestigios de rencores
esquirlas de castigos
reliquias de caricias
ruinas tan taciturnas
calimas de la pena
albergan sus fantasmas
como todas las ruinas
y como todas dejan
escuchar su lamento
yo también tengo ruinas
meses y años troceados
muñones de confianza
perdones en añicos
piedras en las que a veces
me reconozco entonces
amo la piel rugosa
de mis hermanas ruinas
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Nada pra fazer em frente a uma placa
Belizario, verão 10.
WELCOME!
Wel come quem?!
Wel não comeu ninguém...
Pô Wel, vai comer alguém!!
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Ausência
Carlos Drummond de Andrade
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
As ensinanças da dúvida
Thiago de Mello no livro Mormaço na Floresta
Tive um chão (mas já faz tempo)
todo feito de certezas
tão duras como lajedos.
Agora (o tempo é que o fez)
tenho um caminho de barro
umedecido de dúvidas.
Mas nele (devagar vou)
me cresce funda a certeza
de que vale a pena o amor.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Pelas bandas de Jaguarão...
Belizario, verão 10.
Levantei a cabeça e olhei pela janela...
O sol já ía baixo e os raios de sol iluminavam minha face cansada...
Ao longe enxerguei o rio Jaguarão...o povo negro em festa!
Tambores e gargalhadas ecoavam numa força impressionante!
Naquele chão iria aportar meu barco...
Uma nova vida me esperava...
A ancestralidade já selara meu destino:
me convocara para uma nova guerra.