Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Erros

Erros
Belizario, outono 11.

Um erro.
Meu erro.
Dois erros.
Todos os erros.
Quem não erra,
se enconde do vento!
Por que não se permite voar?

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Tortura

Tortura
Florbela Espanca no Livro de Mágoas

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
– E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento! ...
Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
– E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento ...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Pai Grande

Em homenagem aos amigos do antigo Quilombo da Vigário, Quilombo da Baronesa, minhas matrizes...meus "pai grande".

Pai Grande
Milton Nascimento

Meu pai grande
Inda me lembro
E que saudade de você
Dizendo: eu já criei seu pai
Hoje vou criar você
Inda tenho muita vida pra viver

Meu pai grande
Quisera eu ter graça pra contar
A história dos guerreiros
Trazidos lá do longe
Trazidos lá do longe
Sem sua paz

De minha saudade vem você contar
De onde eu vim
É bom lembrar
Todo homem de verdade
Era forte e sem maldade
Podia amar
Podia ver

Todo filho seu
Seguindo os passos
E um cantinho pra morrer
Pra onde eu vim
Não vou chorar
Já não quero ir mais embora

Minha gente é essa agora
Se estou aqui
Eu trouxe de lá
Um amor tão longe de mentiras
Quero a quem quiser me amar


http://www.youtube.com/watch?v=nwhl2xzG1ks&feature=player_embedded

sábado, 4 de junho de 2011

Fantasmas solitários

Andava eu numa praça, caminhando entre as pedras que a calçam...em frente a uma esquina, abri o livro sujo de terra fértil do meu amigo...vira que novo escrito continha, ao terminar de lê-lo, levantei os olhos e baixei-os novamente...mas os levantei rápido de novo em direção a esquina...eu tinha visto meu amigo Belizario, que sorria pra mim, de braços cruzados vagabundo como só ele, encostado na parede sob o sol de pernas cruzadas...atravessei a calçada, corri até a esquina...nenhum sinal daquele homem do rio...mas eu tenho certeza que o vi...e essas poesias que brotam deste livro...

Fantasmas solitários
Belizario, outono 11.

Deve ser o minuano...
que bate solitário...contínuo em assobio...
meus sonetos são só saudade.
Este vento que remói até fantasmas...
Mais de uma vez acordei no madrugar escuro,
e os vi a tirintar de frio...
olham-me por um instante, e viram a cabeça a suspirar...
que terra estranha...onde até os fantasmas são tristes...
ainda lembro...foi ante-ontem...
que vi a última boca a sorrir, o último olhar a brilhar.