Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sábado, 23 de julho de 2011

Epigrama

Epigrama
Gregório de Mattos e Guerra no livro "Antologia de Humorismo e Sátira"


I

Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os membros, e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia.

Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quais são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.

Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos.

Os círios lá vem aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.

E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.

Que vai pela clerezia?... Simonia.
E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha

Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.

E nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.

Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.

O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.

À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal cresce,
Baixou, subiu, morreu.

A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.

Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Jujuba

Jujuba
Belizario, inverno 11.

É uma guria!
Como sempre desejei.
Antes minha tão desejada maninha,
Agora minha florzinha eterna...
Meu amor é só teu, de ninguém mais não.

Vou te embalar...
Vou te cheirar...
Vou te encher de beijos!

Te levar pra passear,
Sentir o vento na cara,
Pois quero que sintas o cheiro de liberdade desde cedo!
É atrás dele que deverás correr...
Deverás, porque sagitariano como o teu pai,
Não vai parar de te empurrar! De te provocar a viver!

E já me disseram,
parece que tu também Jujuba...
Já pensou, feita de cascos e de sonhos,
Que mundo pequeno este aqui terreno,
Quem nos aguentará, quem vai nos deter?!

Meu amor,
Teu pai como o rio, vai transbordar tantas vezes...
Já te peço perdão.
Mas te prometo uma coisa:
Serei teu eterno bailante,
Parceiro na vida,
Que não te deixará jamais...
Jamais minha filha,
Sozinha no salão.

És meu definitivo amor,
E a ti dedicarei todo o sabor de canção.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Singelos versos de um reencontro

Singelos versos de um reencontro
Belizario, inverno 11.

Brotam-se os escritos, cada dia aumenta a certeza de que vou reencontrar esse homem...

Aos infantes moradores daquele porto!
Que manifestam meus íntimos delírios!
Os ver foi como a gota dágua no deserto,
Agradeço os lindos beijos e abraços,
Nossas falas de coração.

Ver estes companheiros,
É nostalgia,
Mate amargo rebelde nas tardes frias,
Segredos de nossas molhadas vidas,
Encharcadas de paixão!

Trago comigo o companheirismo,
Esta mania de vocês de medir ombros comigo,
Incremento de ternura e poesia,
Dançando libertinamente a Velha Roupa Colorida,
Meus adorados irmãos.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Linha Divisória

Linha divisória
Aldyr Schlee, trechos das epígrafes dos capítulos do livro Linha Divisória.

Há aqui uma linha divisória
entre Jaguarão
e o resto do mundo.

Jaguarão,
fica do lado de cá de uma ponte...

...e o resto do mundo em que vivemos
é todo o sul sem norte.