Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Noite de saudade

Noite de saudade
Florbela Espanca no livro A Mensageira das Violetas

A noite vem pousando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu ouço a noite imensa a soluçar!
E eu ouço soluçar a noite escura!

Por que és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Mar

Mar
Oliveira Silveira no livro Orixás - Pintura e Poesia

Águas ondulantes
às vezes azuis.

Sal na onda, à tona,
e no fundo profundo.

Mar alto, mar afro,
mar África, mar
puxado, espichado
de lá para cá.

Nele bela pele
escura preta pura.

Cor preta de povo
jeje, iorubá
e brilho de peixe
e vida de mar:
o mar da Iyá,
mar Iemanjá.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Palhacinho

Palhacinho
Belizario, Verão 12.

É um rico palhacinho...
Irônico e debochado,
anarquistinha de bebê.

Faz do meu grito, ironia.
Da minha moral, uma burguesa hipocrisia.

É meu espelho,
Desejo de ser mais do que sou, mais do que fui.
É minha cômica sanidade,
Minha frustração de gente grande...

Meu palhacinho devasso,
Só você pra inverter,
Compromisso em folguedo,
Cotidiano em alegria!

Atrevido,
Das responsabilidades desdenha,
Vadio de pernas tortas...
Todo fazer se transforma em desafio,
em provocação.

Desdenha meu palhacinho, desdenha...e ironiza...
Porque todo pai é um autoritário.
Um covarde em potencial.

A noite cai

A noite cai
Lila Ripollno livro Barco Vazio

Que tormento ter asas para voar
e prisioneira ser, por toda a vida...
Se eu pudesse fugir, vagar, vagar,
como uma sombra leve, comovida...

Se eu pudesse fugir... (Por que sonhar
impossíveis venturas nesta vida!)
Eu prisioneira sou. Não posso dar
mais sol ao meu destino. Estou perdida

no mistério da vida, sem beleza,
na tortura de ser, na correnteza,
um galho sem vontade, que se vai...

É melhor silenciar... Não penso mais.
É melhor não pensar... Fiquem meus ais
perdidos para sempre... - A noite cai!...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Vá cuidar da sua vida

Vá cuidar da sua vida
Geraldo Filme

( http://www.youtube.com/watch?v=cldp-Belt_o )

Vá cuidar da sua vida
Diz o dito popular
Quem cuida da vida alheia
Da sua não pode cuidar

Crioulo cantando samba
Era coisa feia
Esse é negro é vagabundo
Joga ele na cadeia
Hoje o branco tá no samba
Quero ver como é que fica
Todo mundo bate palma
Quando ele toca cuíca

Negro jogando pernada
Negro jogando rasteira
Todo mundo condenava
Uma simples brincadeira
E o negro deixou de tudo
Acreditou na besteira
Hoje só tem gente branca
Na escola de capoeira

Negro falava de umbanda
Branco ficava cabreiro
Fica longe desse negro
Esse negro é feiticeiro
Hoje o preto vai à missa
E chega sempre primeiro
O branco vai pra macumba
Já é Babá de terreiro