Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!
segunda-feira, 7 de março de 2011
Poema da despedida
Mia Couto
Não saberei nunca
dizer adeus.
Afinal,
só os mortos sabem morrer.
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser.
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo.
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos.
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca.
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei.
Ainda assim,
escrevo.
Poema do retorno
ResponderExcluirVoltaste
driblando nuvens e pássaros
e trazendo nas mãos
estrelas azuis que me encantam.
Durante a tua ausência
tentei plantar a paz,
clamei pelo direito de ser livre
e colhi dores e desenganos
que abriram feridas profundas
e machucaram o meu verso,
inaugurando revoltas e frustrações.
Voltaste
trazendo no olhar marrom
esperanças que arranham
as minhas desesperanças.
Mais uma vez,
inutilmente,
uniremos nossos gritos
pedindo liberdade para viver
amar
cantar
e sorrir.
Serão protestos aos crimes
cometidos contra a liberdade
os nossos gritos
(ainda que não encontrem eco).
Mas, se te faz bem,
posso dizer
que não é proibido
sonhar que todos os caminhos se abrirão
e a liberdade será uma realidade palpável.
Escrito por Alcinéa Cavalcante às 12:52
Mia é fantástico, comecei a conhecer a obra dele ano passado e ainda sinto o efeito de "Um Rio chamado tempo, uma casa chamada terra" naquilo que escrevo, que penso...enfim...é isso!
ResponderExcluirabs