Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sábado, 4 de junho de 2011

Fantasmas solitários

Andava eu numa praça, caminhando entre as pedras que a calçam...em frente a uma esquina, abri o livro sujo de terra fértil do meu amigo...vira que novo escrito continha, ao terminar de lê-lo, levantei os olhos e baixei-os novamente...mas os levantei rápido de novo em direção a esquina...eu tinha visto meu amigo Belizario, que sorria pra mim, de braços cruzados vagabundo como só ele, encostado na parede sob o sol de pernas cruzadas...atravessei a calçada, corri até a esquina...nenhum sinal daquele homem do rio...mas eu tenho certeza que o vi...e essas poesias que brotam deste livro...

Fantasmas solitários
Belizario, outono 11.

Deve ser o minuano...
que bate solitário...contínuo em assobio...
meus sonetos são só saudade.
Este vento que remói até fantasmas...
Mais de uma vez acordei no madrugar escuro,
e os vi a tirintar de frio...
olham-me por um instante, e viram a cabeça a suspirar...
que terra estranha...onde até os fantasmas são tristes...
ainda lembro...foi ante-ontem...
que vi a última boca a sorrir, o último olhar a brilhar.

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