Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A noite cai

A noite cai
Lila Ripollno livro Barco Vazio

Que tormento ter asas para voar
e prisioneira ser, por toda a vida...
Se eu pudesse fugir, vagar, vagar,
como uma sombra leve, comovida...

Se eu pudesse fugir... (Por que sonhar
impossíveis venturas nesta vida!)
Eu prisioneira sou. Não posso dar
mais sol ao meu destino. Estou perdida

no mistério da vida, sem beleza,
na tortura de ser, na correnteza,
um galho sem vontade, que se vai...

É melhor silenciar... Não penso mais.
É melhor não pensar... Fiquem meus ais
perdidos para sempre... - A noite cai!...

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