Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sábado, 3 de dezembro de 2011

XXIX

XXIX
Hilda Hilst no livro Cantares de Perda e Predileção

Faz de mim tua presa:
Raiz para o teu ódio.

Amor para o meu navegar
E abrandado cessa
De lançar tua rede
Tua armadilha.

Faz de mim tua sombra
E injuria, sangra
Essa que te descansa
Na tua soberba escalada ao meio-dia.
Golpeia
Para amansar tua fina presa.

Faz de mim tua boca
E cobre de saliva
Tua cria de carne e solidão.
E abrandado cessa
Teu exercício de virtude e treva.

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