Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

XXVIII

XXVIII
Hilda Hilst no livro Cantares de Perda e Predileção

Ronda tua crueldade.
Esconde, avança.

Até que me descubras
Fissura rigorosa
Na tua garra
Ajustado tensor
Para tua lança.

Ronda meu abandono
Persegue
Trança meu desamparo
Sono e tua iniqüidade.
Ritualiza a matança
De quem só te deu vida.

E me deixa viver
Nessa que morre.

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