Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Blefe de dor

Blefe de dor
Lúcio Xavier

Floresci assim...
Tal única
E imensa fronteira subjetiva.
Fiz eu de mim...
Qual serva púnica,
Por medo, permissiva.
Cerrei tua dor
Nos dentes.
Herdei teu cadafalso e cor,
Agonizada de correntes.
Cada passo teu,
Me fremia;
Assim de corpo ateu,
Me escondia;
Jurava vingança.
Mas...
Daquele breu,
Só sobrava covardia!
Criada nesse apuro,
Solitária,
Silenciosa,
Receava no escuro,
Ver a mortalha,
Que um dia
Teceste laboriosa.
Logo tu,
Que te fizeste dor
Todo dia,
Vem agora,
Em estado cru,
Me seduzir pela agonia.
Te espero
Esta noite...
Com ânsia de claridade;
Esquecerei toda vaidade
Que a dias te leguei.
E assim,
Lúcida,
Inventarei outro corpo,
Onde tu pasme lânguida
E percas toda vontade;
Pra que a mim triunfe
Tua morte,
Sem a mínima piedade!

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