Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Quando encontraram Guevara (Num assobio de Milonga...)

Quando encontraram Guevara (Num assobio de Milonga...)
João Sampaio no livro Para alguns iluminados

Quando encontraram El Che
Era tarde e eu mateava
Lá em cima a lua me espiava
No seu véu que se prolonga
Uma tristeza tão longa
Pateava na noite clara
E eu relembrava Guevara
No assobio de uma milonga...

Sentado sobre o pelego
Olhava ao longe a distância
E sentia a pampa fragrância
Da estrebaria do baio
No relincho desse raio
Vejo uma mãe triste e aflita
Campeando o filho solita
Em plena Praça de Maio!

E como se de repente
Achasse o elo perdido
Meu galpão enegrecido
Se enche de luz num clarão
O vento bufa no oitão
Numa espécie de marulho
E o céu da noite de julho
Orvalha de pranto o chão...

Solito eu sigo mateando
Pitando na noite clara
Pensando em Che Guevara
Que acharam na terra pura
E o povo em sua ternura
Com a mágoa mais caipora
Também se ajoelha e chora
No mais humilde dos templos
Orando em cima do exemplo
Do Che que se foi embora...

Por isso no parapeito
Sobre uma trama me aprumo
E enquanto pico um fumo
Pra tentear com mate-amargo
Converso irmão a lo largo
Com as nuvens do firmamento
Milongueio um argumento
E acho Guevara que a vida
É igual a folha caída
Que vai solita no vento...

Um comentário:

  1. Saravá! Agora o Belizariando meteu o pé na porta!!! Azá!!! Che Guevara, agora tá formado o bando. Grande Belizário, parabéns pelo blog!

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