Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Despejo na Favela

Despejo na Favela
Adoniran Barbosa

Quando o oficial de justiça chegou lá na favela.
E contra seu desejo, entregou pra seu Narciso um aviso,
pra uma ordem de despejo.
Assinada seu doutor.
Assim dizia a petição: dentro de dez dias quero a favela vazia e os
barracos todos no chão.
É uma ordem superior.
Ô meu senhor, é uma ordem superior.
Não tem nada não seu doutor, não tem nada não.
Amanhã mesmo vou deixar meu barracão.
Não tem nada não seu doutor, vou sair daqui,
pra não ouvir o ronco do trator.
Pra mim não tem problema,
em qualquer canto me arrumo, de qualquer jeito me ajeito.
Depois o que eu tenho é tão pouco,
minha mudança é tão pequena, que cabe no bolso de trás.
Mas essa gente ai hein como é que faz?
Mas essa gente ai hein como é que faz?

http://www.youtube.com/watch?v=4jAPmGJB5Qk&feature=related

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