Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Confiança

Confiança
Agostinho Neto no livro Poemas de Angola

O oceano separou-se de mim
enquanto me fui esquecendo nos séculos
e eis-me presente
reunindo em mim o espaço
condensando o tempo.

Na minha história
existe o paradoxo do homem dispero
enquanto o sorriso brilhava
no canto de dor
e as mãos construíam mundos maravilhosos.

John foi linchado
o irmão chicoteado nas costas nuas
a mulher amordaçada
e o filho continuou ignorante.

E do drama intenso
duma vida imensa e útil
resultou certeza:

As minhas mãos colocaram pedras
nos alicerces do mundo
mereço o meu pedaço de pão!

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