Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

terça-feira, 12 de abril de 2011

Morreu o Belizario

Morreu o Belizario
Caiuá, outono 11.

Morreu o Belizario.
Dizem que morreu do próprio veneno...
como Johnson da encruzilhada.
Dizem por aí que andava sonhando alto demais...
andarilho, se sentia pairando sobre as coisas...
tal como os orixás que lhe protegiam...
se confundiu com eles...
achou que era invulnerável pela vida mundana...
intocável...extra-terreno...
caiu.
Morreu o Belizario.
Uns dizem que o viram por algumas ruelas de pedra de determinada cidade...
outros que tem mania de ressucitar, e que logo retorna a navegar...
pra mim, dessa vez pegaram o sujeito...
ou o sujeito encontrou a quem lhe devia...
era mortal...e já não mais sabia.
Morreu o Belizario.
E foi na beira de um rio...
nos pés de Oxum...
sua mãe...
ali dizem ter dado o último suspiro...
e ter sangrado pela última vez.
Morreu o Belizario.
A cada travessia um novo risco...
a cada travessia uma nova experiência...
mas o amor é antigo...
e ele não soube navegar.
Morreu o Belizario.
Que vá em paz meu amigo.
Um abraço deste tripulante,
companheiro de tantas viagens.
O barco te espera...

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