Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

terça-feira, 20 de julho de 2010

Chimarrão

Chimarrão
Música de Vitor Ramil do disco Délibab
Poema de João da Cunha Vargas

Velho porongo crioulo,
Te conheci no galpão,
Trazendo meu chimarrão
Com cheirinho de fumaça,
Bebida amarga da raça
Que adoça o meu coração.

Bomba de prata cravada,
Junto ao açude do pago,
Quanta china ou índio vago
Da água seu pensamento
De alegria, sofrimento,
De desengano ou afago.

Te vejo na lata de erva
Toda coberta de poeira,
Na mão da china faceira
Ou derredor do fogão,
Debruçado num tição
Ou recostado à chaleira.

Me acotovelo no joelho,
Me sento sobre o garrão
Ao pé do fogo de chão,
Vou repassando a memória
E não encontro na história
Quem te inventou, chimarrão.

Foi índio de pêlo duro,
Quando pisou neste pago,
Louco pra tomar um trago,
Trazia seca a garganta,
Provando a folha da planta,
Foi quem te fez mate-amargo.

Foste bebida selvagem
E hoje és tradição,
E só tu, meu chimarrão,
Que o gaúcho não despreza
Porque és o livro de reza
Que rezo junto ao fogão.

Embora frio ou lavado,
Ou que teu topete desande,
Minha alegria se espande
Ao ver-te assim meu troféu,
Quem te inventou foi pra o céu
E te deixou para o Rio Grande.

Nenhum comentário:

Postar um comentário