Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Soneto sem sentido da surdez repentina

Soneto sem sentido da surdez repentina
Belizario, inverno 10.

Surdo!!
Hã?! O que tu falou?!
Descobri uma forma de ouvir o violão...
encostar os dentes ao seu corpo...amplificado!
Só eu escuto...ou acho que escuto...não sei não...
Surdo!!
Hã?! É comigo?!
Naquelas horas em que não aguento mais as palavrinhas,
a surdez vira função esguia! Só escuto o que quero! É, talvez migalhas do que eu quero...desculpa fugidia...
Surdo!
Hã?! Seguir a vida?!
Retomarei minhas amizades,
serei útil todo início de mês,
na fila do banco ou jogando na loteria.
Surdo!!
Hã?! Musgo?! Sujo?!
Não, surdo mesmo! Vai limpar esses ouvidos,
já cansei de pedir,
não te faz de cera,
desgruda,
cansei de ser cotonete nessa vida!!

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