Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sábado, 24 de julho de 2010

Sou duro

Sou duro
Oliveira Silveira no livro Roteiro dos Tantãs

Sou duro, sou duro,
no fundo eu sou é duro
mas serei piedoso:
bendito o leão
que comeu o missionário...
Sou duro, eu sou é duro,
tenho minhas razões
mas serei caridoso:
bendito o canibal
que devorou a expedição...
Eu tenho meus motivos,
por isso é que sou duro,
mas serei generoso:
bendito o vidro moído
nos bofes do senhor,
bendita a lança, as balas
de Zumbi, do Haiti,
há muito tempo eu tenho os meus porquês
de ser duro, sou duro,
mas serei bom e dócil:
benditos os riots,
o saque, o fogaréu
e os raios afiados de Xangô
para os que me fizeram
(sou duro, eu sou é duro)
ter estas razões.

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