Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Bagaço


Bagaço
Belizario, inverno 15.

Ainda vou deixar de ser este bagaço.
Que é chutado, arrastado,
esfregado pelo chão.
Ainda vou parar de ser tratado,
como algo descartável...
Como algo que se mastiga,
 e que se cospe pelas sarjetas da vida,
sem compaixão.
Ainda vou funcionar que nem gasolina,
Que incendeia com toda força,
Cheia de esplendor.
Ainda vou ser fogo que aquece,
Calor para outras vidas...
Ainda voltarei a ser amor.
Ainda me farei paixão.

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