Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Balada do Festival

Balada do Festival
Hilda Hilst em trecho do livro Balada do Festival


IV
a Vinícius de Moraes

Na hora da minha morte
estarão ao meu lado mais homens
infinitamente mais homens que mulheres.
(Porque fui mais amante que amiga)
Sem dúvida dirão coisas que não fui.
Ou então com grande generosidade:
Não era mau poeta a pequena Hilda.

Terei rosas no corpo, nas mãos, nos pés.
Sei disso porque fiz um pedido piegas
à minha mãe: “Quero ter rosas comigo
na hora da minha morte.”

E haverá rosas.
São todos tão delicados
tão delicados...

Na hora da minha morte
estarão ao meu lado mais homens
infinitamente mais homens que mulheres.
E um deles dirá um poema sinistro
a jeito de balada em tom menor...

Tem tanto medo da terra
a moça que hoje se enterra.
Fez poema, fez soneto
muito mais meu do que dela.
Lá, lá, ri, lá, lá, lá, lá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário