Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Persistência do Eu Romântico

Persistência do Eu Romântico
Waly Salomão no livro Algaravias

O real é oco, coxo, capenga.
O real chapa.
A imaginação voa.

Escrevi até a exaustão
no pergaminho d'água do sono.
Nessas linhas esvaídas no vórtice da vigília,
ao mesmo tempo em que inebriado ouvia
com o mais apurado ouvido absoluto,
parece que eu transcrevia
com a exata minúcia de geômetra-matemático,
em uma vivida e mutável clave,
as notas do sempre mesmo rouxinol.
Sumida a cor do perfume das rosas
de Hafiz de Chiraz
sem deixar pista de armazém,
aparelho clandestino,
ponta de estoque, local de resgate,
arquivo ou fichário
do fantasmático país do olvido
dessa amalgamada região dos tropos,
acordei
(oh! calígrafo dopado!)
e
nada restou impresso.

Reduzido a esqueleto de éter,
Poeta mente demais...
Uma borboleta bate as asas
dentro do meu peito
e provoca furacões
lá na Cochinchina. OU vice-versa.

O real é oco, coxo, capenga.
O real chapa.
A imaginação voa.

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