Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Meu irmão

Meu irmão
Belizario, inverno 10.

Cresci do lado de um alemão.
Que foi desdentado, que foi dentuço...
hoje é carequinha, antes foi cabeludo...
andávamos sempre juntos...meu irmão.

Sempre nos cutucávamos, fazia parte...
Ora me subornava pedindo doces pra não entregar o boletim...o meu sempre péssimo.
Ora eu corria pra entregar suas peripécias...dedo duro gritava ele com cara de brabo.

Ele era goleiro, eu atacante...
depois foi atacante e eu goleiro...
raramente jogávamos no mesmo time.
O legal era mantermos a rivalidade.
Tranquilamente explicável...
um capricórnio, outro sagitário.

Mas ai de quem me ofendesse ou me cutucasse
subia-lhe as têmporas, ficava vermelho...
e não deixava que ninguém me tocasse!

Sempre fiquei todo bobo nessas horas, confesso...
quem não quer ser protegido...tornar-se intocável!
Meu irmão me fez assim...inabalável.
É, eu sei....acho que no fundo fui mimado.

Desde pequeno observei suas coisas...seus gostos...suas práticas...
achava aquilo tudo muito interessante....debochava dele, algumas vezes achava excêntrico pacas!
Como aquele montão de moedas juntadas e classificadas...
Ficava pensando qual era meu papel de mais velho...se realmente eu me sentia assim...
Hoje acho que não...nutri a vida inteira admiração e resignação com as opiniões dele.
Na verdade, sinto que ele também me ouviu muitas vezes.

Curto muito relembrar os jogos que fomos juntos na Baixada...
as pescarias...
as peladas...
as caminhadas com chimarrão...
as festas e as ressacas.

Hoje distantes, não nos cuidamos mais tanto...
Parei de jogar bola...parei de pescar.
Mas continuamos a conversar sobre a vida...as aulas...a tomar mate...
Sobre como anda o mundo...sobre como é difícil ser adulto.

Continuo a admirá-lo muito!

Um professor aguerrido trabalhador...
Dono de sua própria vida,
e que aqui dentro o mantenho
com muito companheirismo e amor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário