Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Virgem

Virgem
Thiago de Mello no livro A canção do amor armado

Que me perdoem os varões
nascidos em Virgem.
Com a determinação e o espírito crítico
de que são capazes,
que tratem de viver e obrar
do melhor modo possível
para esquivar-se às maléficas
(estou avisando)
influências de Mercúrio,
às quais estarão sujeitos
em seguidos quadrantes do tempo.

Sucede que não posso lhes dar mais de mim,
tanto são os cuidados
que me reclama a fortuna
das delicadas mulheres de Virgem,
para quem os dias que virão
serão de memoráveis sucessos.
De um modo geral, estarão na crista
da onda mais ensolarada.
Mas é preciso que te ajudes, companheira.
Não te garanto que tudo sejam flores.
Ultimamente abandonaste tua estrela,
que anda navegando solitária
pelos ermos do teu peito.
A conjunção de Mercúrio e Marte,
com a Lua de permeio,
põe o teu amor à beira do perigo.
Sobe com ele a montanha mais verde
e abriga tua esperança
no ventre de uma palmeira.
Sei que gostas dos mecanismos deslumbrantes,
preferes a rigidez dos esquemas,
que aliás não são teus,
e o equilíbrio da conduta humana.
Mas te asseguro que às vésperas
do florescer dos trigais,
aprenderás a desfazer a ordem do trânsito
e a subverter a cronologia dos relógios.
Porque no meio da primavera
inventarás alta noite
uma rosa estrelada
para tua pessoa mais amada.

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