Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Do meu aposto

Do meu aposto
Lúcio Xavier

Me deixa passar pela fenda...
Daquela porta.
É só isso que peço.
Qual desejo, mais, esse corpo não comporta?
Além do dito,
Não me queira tão confesso.
Cansei de tanto compasso
Pra medir meu passo;
Pagar teu preço
Com dor que não mereço.
Ao inferno com a tua ameaça!
Minha vontade é bem menor
Que a tua ânsia,
Devassa.
Tira logo o pé da minha cabeça!
Aproveita o sangue que choro,
Da raiva que metaforo;
Antes que tudo te aborreça.
Essa vida
Já foi por demais vendida;
Não te vale as penas
De impedir a minha passagem;
Acredita, apenas,
No sofrimento gritando por coragem.
Te livra dessa casca vil
E costura de uma vez
O abismo que a tua boca abriu,
Com fome de altivez.
Por isso a fenda!
Antes o desespero último
Que a reles de uma contenda.

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