Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

terça-feira, 25 de maio de 2010

Rafaela

Rafaela
Belizario, outono 10.

Rafaela.
Bem vinda ao mundo linda guria.
Ah, não sabes o quanto te esperávamos...
Redenção de nossos sonhos...
tantas vezes embriagados sonhos...
de utopia...
Sentados na calçada,
os pés na pedra úmida...
eu e teus pais ríamos a beça...
Brincávamos...cantávamos...
talvez eles não se imaginassem juntinhos um dia.
Mas tu, a criança que viria,
redentora de nossos delírios,
sementinha pequenina,
de fortes raízes,
que germinaria,
ah, isso escrevemos tantas vezes
nas estrelas daquelas noites,
daqueles dias,
com tinta de luta, amor e rebeldia.
Tua mãe, forte mulher,
caminhava pelas ruas, procurando flores para provar e dizer: tu quer?!
Teu pai, homem adorável,
sensibilidade com a voz,
com os dedos no violão,
me fazia sorrir e insistia: é preciso mudar tudo isso negão!
Vim aqui dizer-te
que estou aqui pro que der e vier,
teus pais, meus irmãos,
tu, minha sobrinha,
é preciso paixão...ah, se é preciso...
Como sagitário guerreiro, a postos sempre estarei,
para quando precisares de um abraço, afago...
um sorriso cúmplice...ou apenas o silêncio em compania...
do teu tio e amigo,
eternamente,
com gosto de flores, violão e utopia.

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