Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sábado, 7 de agosto de 2010

Comunismo de Pés

Comunismo de Pés
Lobo da Costa no livro Lucubrações

Eram dois estudantes, habitavam
Ambos na mesma casa e por desgraça
Tinham p'ra uso mútuo um par de botas...
E o mais não é chalaça
Passavam por janotas!

Foi no tempo da onça e quem não sabe
Que a jaula predileta desse bicho -
È quase sempre a casa do estudante,
Por gosto...ou por capricho!
- Mas, passemos adiante:

Muito se amavam eles; - é verdade
Que pouco andavam juntos; se passeava
O mais velho, - é bem fácil de prever
Que o mais moço ficava,
Pois tinha o que fazer.

Se por acaso viam-se obrigados
A frequentar a aula ao mesmo jeito,
Um sentia no pé esquerdo calos...
O outro no direito,
Que era lástima olhá-los!

Morre por fim Pílades de casa...
O mais velho...o mais pobre! Orestes chora,
E pede à terra em lágrimas banhado -
Que seja leve agora,
A quem pouco pisou com seu calçado.

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