Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Negra Teia

Negra Teia
Lúcio Xavier

Puro sofrimento,
que narrado.
Aproveita o lucro da noite
e duela com o grito,
já estancado.
Se joga em cego,
na cidade correndo,
se aflige retendo
do sangue ao prego.
Quando segue negra,
de olhar despido,
tece a negra teia
e o jugo morre,
arrependido.
No curvo maquinário humano,
é fio perdido;
em negro dorso,
cativo em corso
é ponto unido.
Se o ferro do patrão,
que hoje brilha,
reluz clarão,
sai mais ao dente,
que morde a linha
ou se independe.
E a negra em dor
no espasmo nega;
a teia em passo,
pra compor num traço
que do pavor,
em teia pega.

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