Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sábado, 2 de outubro de 2010

Finda

Finda
Lúcio Xavier

Finda, tua cólera de indomadas,
Corre na profusão de um tempo,
E açoita a longitude cerrada,
Qual verbo que te estanca, ainda.
Por isso, finda,
No horror da flor cortada,
E tua pele rija saberá, retida,
Se o amor, que te põe vencida,
Não acata mais a tua dor velada.
Morre, em mim, tua canção de vida,
Que de asas rotas se achará traída.
Grita, corta, sangra em teu altar temido
Cuspindo à cara dessa vã mentira,
Toda dor desse ateu gemido,
Pra que renasça seca, tua letal ferida.

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