Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Para Lobo da Costa

Para Lobo da Costa
Rodolpho Xavier na A Alvorada

Juntos andavam eles como irmãos
Ao lado da alma o corpo penitente
Sempre juntos lutando heroicamente
Contra o destino e preconceitos vãos.
Se na alma havia sentimentos sãos
Em verdade era o corpo diferente
Uma fundia-se à luz eternamente
O outro ficou no mundo sem seus desvãos.
Subindo a alma volta em resplendores
Transforma-se o arco-íris multicores
Em chuvas, sóis, em astros e poesia.
Não vai ao corpo as regiões celestes
E só na tumba fica, entre ciprestes
Por entre as larvas e entre a terra fria.


Agradecimento carinhoso ao amigo Lúcio Xavier, poeta e historiador, que estudou a belíssima trajetória de Rodolpho Xavier, escritor e militante negro dos finais do XIX, início dos XX. Ver: http://www.overmundo.com.br/overblog/rodolpho-xavier-negro-flaneur-e-memorialista

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