Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sem título - Lobo!

Sem título - Lobo!
Lobo da Costa no livro Auras do Sul

Enquanto o pobre operário
Do sono o espectro afugenta,
- Rasgando um porvir aos filhos
Aos golpes da ferramenta;

Enquanto – cortando os mares
Batidos pelas procelas,
O nauta sonha o futuro
Ao surdo bramir das velas;

Enquanto o triste soldado,
Prostado junto à espingarda,
Vela da pátria o sossego...
Sentindo orvalhos na farda...

Enquanto em calma vigília
Pensa o sábio – noite fora
Sonhando o porvir do povo
Sem mesmo dormir um’hora;

Enquanto em fria senzala,
Sobre a trapeira atirado,
Sonha o escravo a liberdade
Como um cão acorrentado...

O rico, o nobre, que nunca
Teve da glória a emoção,
Dorme... e entre sonhos murmura:
Que tolos! Que tolos são!

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