Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Clandestino

Clandestino
Lúcio Xavier

Eu quero mais é terminar com isso...!
Chega dessa coisa,
De ficar em fila, pra poder te olhar no olho.
O drama pode ser o mesmo, nem fala!
Mas tô me precisando já faz tempo.
Nada pessoal, só não me abaixo mais
Pra ficar juntando caco no meio de ferro torcido!
Ainda é tempo de olhar por cima do muro... quebrar um galho,
Vir arrastando a bolsa pela alça,
Manchar o assoalho,
Limpar na calça...
Sempre estive, mesmo, meio perdido naquela cidade;
Parava na ponte,
Olhava,
Chorava,
Chutava a pedra e mandava ela no meu lugar...
“Vai que ainda tem uma mão agarrada na minha gola”.
Seca logo essa caneca,
Ou fica fora da esmola!
Agora, só vou passar de vez em quando,
Prometo que não paro mais na tua porta!
Pode dormir,
Que eu ganhei uma cidade vermelha.
Não me escreve, por favor!
A partir de hoje, eu que vou fingir
Que a luz da rua tá quebrada!

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