Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Pelas grades do claustro

Pelas grades do claustro
Lobo da Costa no livro Auras do Sul

Meu leito fica ao vão de uma janela,
Num dos recantos frios do hospital;
E bem fronteiro a ele, o ninho d'Ela,
Cercado pelas murtas do quintal.

O Sol vai a baixar...mas quando a noite
Ilumina as vidraças desse Éden,
E vem de manso o vento em brando açoite
Trazer-me uns longes de frescor d'além;

O arruído sequer, não sinto ao menos,
Das criancinhas loiras do terraço,
Nem a voz do piano em doces trenos,
Movida por seu trêmulo compasso...

Pergunto a mim, às sombras desta cela,
A tudo que me cerca, a tudo, enfim:
- Meu coração...minh'alma, onde está ela
Que não se lembra mais de mim...de mim?

E as sombras passam mudas, na indolência,
E de funérea cor cobre-se o céu:
Mas fala-me no seio a consciência:
- Pois tu não sabes, doido? - Ela morreu!

Nenhum comentário:

Postar um comentário