Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Eu preciso viajar

Eu preciso viajar
Lila Ripoll no livro Mãos Postas

Eu preciso sair. Andar. Viajar um pouco.
Necessito fazer uma cura de alma.
Aqui, meu coração, por certo (um pobre louco!)
perderá, por completo a razão e a calma.
Eu preciso viajar. Para onde? Não sei.
Qualquer vento me serve. Eu não tenho destino.
Sou um barco sem vela, que viaja sem lei.
E de longe dirão: - "Quem será o menino
que atirou para o mar, esse barco vazio?
Vai quebrar. Vai partir. Não tem leme, nem vela,
e as águas do mar, não são águas do rio..."

Ninguém sabe o que diz. Todos erram, pensando.
O meu barco está cheio, pesado e sombrio,
pois é meu coração que ele vai carregando.
As tristezas que leva! Não quero pensar.
São segredos que guardo, que escondo comigo:
Os fantasmas que eu amo e desejo matar.
Qualquer porto que encontre será meu abrigo.
Qualquer vento me serve. Eu preciso é viajar!

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