Ainda lembro do cortejo...a cantoria triste...minha roupa branca de condenado no contraste com a minha negra cor...aquela criança não sai da minha cabeça...caminhava curiosa ao meu lado, no compasso do tambor do militar...a marcha era fúnebre...alguns aproveitavam o momento para fazer dinheiro...o Mariano era um deles, sonhava com um bom pecúlio e a alforria um dia comprar...para mim isso já não bastava...logo depois da primeira chibatada, apaguei...acordei com os gritos de quem me delatava...senhor e senhora no chão...ainda corri...mas sabia que logo minha passagem por aqui estaria acabada...da cadeia para a igreja...logo a ponte sobre o arroio onde tantas vezes acompanhei o pôr-do-sol...e lá estava eu subindo os degraus...o homem da religião do rei na minha frente aos prantos fingia seu interesse por minha alma...e eu fingia não ter medo...quieto...sofri...o rufar dos tambores...meus olhos se fecharam...logo estacionou o barco...finalmente livre...naveguei...como o tempo, tornei-me múltiplo...resisti!

sábado, 24 de abril de 2010

Muitos são pela ordem

Muitos são pela ordem
Bertolt Brecht no livro Poemas e Canções

Muitos são pela ordem. Na hora de comer
estendem sobre a mesa uma toalha, quando tem, ou removem
os farelos do prato com a mão,
quando a mão não está muito cansada.
A mesa deles, porém, está, como a casa deles,
num mundo que na imundice vai gradualmente afundando.
Ah, limpo o armário deles há de estar! Mas nos subúrbios
acha-se a fábrica, o moinho de ossos,
a nora ensanguentada da ganância...Ah, de que serve,
com lama até o pescoço, conservar
limpas as unhas nas pontas dos dedos?

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